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as portas





queria te falar sobre as portas da cidade. é, portas de estabelecimentos, lojas, vendinhas, fruteiras. de casas. portões de terrenos baldios. cemitérios, construções. queria contar sobre essa imensa possibilidade de atravessá-los mas não o fazer, um porque estão com trancas e ainda não sei abrí-las, outra porque nada mais seriam do que portas e portões abertos. assim, como os vejo, se apresentam como imensos portais absolutos pra toda e qualquer coisa. numa imensidão de chances que me levam a imersões fantásticas, a porta vermelha provavelmente se abra num mar agitadíssimo me engolindo com suas ondas imensas e furiosas. aquela de vidraças faltando que foram substituídas por madeiras verdes, certamente me deixaria em alguma biblioteca antiga, empoeirada com teias pó aranhas ratos e passados maravilhosos. sei lá, antes de querer te falar sobre as portas da cidade, sentei aqui fora com uma taça de vinho e fumei um cigarro. as frases chegavam como pequenas portinhas imaginárias porém muito bem detalhadas e se abriam como se nada fosse de fato meu, mas sim uma apresentação pouco convencional de todas as minhas negações e estarrecimentos.

- olá, isso sou eu?
- não, isso é o que você deixou que se criasse.
- mas se criei, então é meu!
- claro que não, você não tem coisa alguma, nada, impossível.
- que mentira, tenho muitas coisas.
- como o quê?
- ah, você sabe, tenho muitas coisas.
- o que você supõe que tem, não são coisas. você fica aí olhando pra tudo com essa cara de quem já superou porque tenta se convencer de que tem algo fantástico atrás de nós, as portas.
- e tem!!!!!
- uma ova, só tem o que você já pensou. e tudo aquilo que você pensou, não te contenta. você sente falta?
- bem, sinto...
- mas nada é seu.
- e os meus desejos?
- olha, em toda porta que se abre você fica aí com essa cara de idiota esperando que algo maravilhoso extraordinário e único seja seu, quando na verdade a única coisa que pode de fato ser sua é a sensação. e mesmo assim, é passageira. rápida, fugaz.
- não, as guardo comigo, todas.
- é por isso que sofre tanto, a cada porta que procura, carrega um saco de possibilidades do que existiu antes e não foi seu. porque nada será. isso não é a sensação, você não carrega sensações. você as consome, as aproveita e as deixa partir.
- mesmo que não queira?
- mesmo que não queira.

ei, você sabe de algum lugar que tenha uma porta amarela? eu não perderia por nada o espetáculo de estar parada em frente a uma porta amarela e velha. não pode ser nova, me desculpe. e tem de ser amarela. não? ah, tudo bem, se souber me avisa.
mal posso esperar por esperar.

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