queria te falar sobre as portas da cidade. é, portas de estabelecimentos, lojas, vendinhas, fruteiras. de casas. portões de terrenos baldios. cemitérios, construções. queria contar sobre essa imensa possibilidade de atravessá-los mas não o fazer, um porque estão com trancas e ainda não sei abrí-las, outra porque nada mais seriam do que portas e portões abertos. assim, como os vejo, se apresentam como imensos portais absolutos pra toda e qualquer coisa. numa imensidão de chances que me levam a imersões fantásticas, a porta vermelha provavelmente se abra num mar agitadíssimo me engolindo com suas ondas imensas e furiosas. aquela de vidraças faltando que foram substituídas por madeiras verdes, certamente me deixaria em alguma biblioteca antiga, empoeirada com teias pó aranhas ratos e passados maravilhosos. sei lá, antes de querer te falar sobre as portas da cidade, sentei aqui fora com uma taça de vinho e fumei um cigarro. as frases chegavam como pequenas portinhas imaginárias
não é uma solução, mas atenua a gravidade com que a vida nos pesa e nos torna enxarcados de suas particularidades sujas e contagiosas. quem prova da suavidade de algo nunca mais esquece o alívio de pousar o corpo a cabeça o braço até mesmo a mão na delicadeza desse espectro da consolação que está ali pairando ao redor da dor, de prontidão a oferecer ternura. pode chegar de várias formas, numa imagem, palavra, gesto, oferenda, pele. nunca se tem a certeza absoluta do momento em que nos toca e lembra que a vida é essa confusão toda de atropelamentos e sugestões amorosas, mas com esta ressalva. a consciência dela não é exata e não tem necessidade de ser. por vezes só nos damos conta quando já se foi, pois pende o seu rastro pelas ruelas alamedas becos curvas lamaçais e pedregulhos: é como beirar um instante de paz no limite da fúria dos acontecimentos. irreparável na memória sensível de nossas tentativas e erros e considerações e sofrimentos, a vida sem a delicadeza acidental da te